— Quatorze, Quatorze. Quatorze, Quatorze...
Ela sussurra coisas sem sentido, canta baixinho debaixo do cobertor fino, sentindo o ar dos seus pulmões se esvaindo e a sensação de desamparo surgindo.
Ela não me responde. Quero dizer, ela não me responde há semanas. Contava o nascer e o falecer do sol todos os dias, sua unha cavando a madeira da mesinha de cabeceira. Me perdi faz tempo em sua cabeça.
Ela vai fazendo o que consegue. Estuda todos os dias; come pouco, pois, se comer demais, fica tensa; mas come muito, pois, se comer de menos, fica enfraquecida. Tenta dormir, mas a ansiedade a consome como um verme nojento em um cadáver esvaecido. Fica fraca novamente.
O ciclo é cansativo até para quem a assiste. Não é possível descrever a intensidade real de todos os seus sentimentos.
Estuda mais, nunca é suficiente. Reserva um tempo para chorar quando a bagunça dentro da sua mente ameaça transbordar. Estuda mais. Fica mais fraca. Imploro para que ela pare, imploro para que não se enfraqueça.
Olha pela janela.
O que há lá fora? Um mundo melhor, ela espera. Olha para dentro novamente, desejando estar lá fora. O que há aqui dentro? A salvação, diz a si mesma.
Se força a sorrir. Seu sorriso vira choro. Seu choro vira grito. Pensa. Seu grito vira silêncio. Parece oca, se transforma em um navio abandonado. “O que adianta o esforço de gritar quando ninguém irá escutar?”, pergunta-se.
O barulho dentro dela aumenta.
Pega a caneta sobre a mesa e volta a escrever fórmulas sem sentido e regras inúteis. Clamo por sua atenção sem sucesso. Estuda por horas e o sol se põe, pintando o seu quarto de tons sombrios.
A escuridão a consome e entra pelos seus poros, a deixa tão obscura que tem risco de matá-la.
Ela não parece se importar, entretanto, sente-se preenchida de uma forma tão vazia que dói. Levanta-se da cadeira. Suas pernas já doloridas pelo peso de estar aqui. Cai no chão no meio do caminho, a imundice se impregnando nas suas vestes, uma vez rosa-bebê. Quase grito por ela, porém, mais uma vez, sua expressão é como um caderno em branco. Ela se levanta no escuro de suas próprias ações. Continua caminhando até o banheiro. Lava seu rosto na pia.
Ela não reconhece quem vê quando olha o pequeno espelho acima da torneira. “Pareço tão apagada que ameaço desaparecer... Preferiria olhar para o sol até que ele me cegasse.”
Consigo ouvir os sussurros desarrumados dentro dela.
Sentando-se no chão do chuveiro acalenta a si mesma, pondo-se entre seus braços. Ela liga a água do chuveiro; água fria como alguém alguma vez a ensinou. A deixa mais acordada, mais ansiosa e mais fraca. Talvez tenha se conformado com sua própria miséria.
As lágrimas querem transbordar e rolar pelo meu rosto e eu não as impeço. Choro por tanto tempo debaixo do chuveiro que já não se difere o que é eu e o que é água.
Sinto o gosto da sua dor, picante e ácida; queima palavras até que elas se derretam e ardam para serem cuspidas boca afora. Na imensidão do seu sofrimento, da sua angústia internalizada, há quatorze letras que permanecem enterradas; um velho caderno as trancafia em suas linhas tortuosas e maculadas; o alfabeto já não parecia suficiente para expressar tamanha fraqueza que ela sentia em seu bolo de massa cinzenta e agonia, mas já não importa mais a esse ponto, ela murmura, nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura1.
“Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui Quero sair daqui”
Diretamente de terras ruminantes, Raiana.
Citação de Aristóteles.
muito bom. nunca pare de escrever por favor
Pqp sou sua fã, me identifico sempre😭